Tá mal pra todo mundo

Há alguns anos, numa discussão sobre a estratégia de uma agência de Curitiba, chegou-se a seguinte conclusão: era impossível viabilizar empresarialmente uma agência no mercado paranaense, sem as contas do governo. Na época, essa conclusão encaixava-se perfeitamente no cenário econômico em que vivivamos. Hoje, serve como luva.

Atualmente, assistimos a uma fase, no mínimo, curiosa no que diz respeito às contas de propaganda do governo. É bom deixar claro, que a qualidade das minhas informações não é melhor que a da maioria dos motoristas de taxi sem, é evidente, a sua sabedoria - adquirida nas páginas pragmáticas do asfalto. Portanto, vamos pular as análises pretenciosas e as minúcias venenosas de bastidores.

Dá inveja do Olivetto que viabilizou a W/Brasil sem um tostão oficial. Do Júlio Ribeiro, com a Talent, que, além disso, ainda recusou-se a atenter contas de cigarro e bebidas alcoólicas. Ou, das centenas de outras agências que vão seguindo, muito bem, sem o viabilizador aporte de capital chapa branca.
Inveja deles, do seu mercado ou do seu talento empresarial? Pouco importa, talvez um pouco de cada. A invenja, no terreno corporativo, não é pecado, ao contrário. Que seria de nós sem os benchmarks e os bons exemplos. Sem os gurus e seus cases, para serem comentados, estudados e seguidos? Ou apenas invejados.

Mesmo assim, todos os anos, lamentavelmente, assistimos a bons projetos serem moídos pela roda implacável da inércia conjuntural. De bares temáticos a agências de propaganda, passando pelas indústrias de tecnologia até os movimentos artísticos.

O capítulo dois do Marketing para o Século XXI, de Kotler, possui a seguinte epígarfe: “Uma grande ilusão é crer que se pode industrializar um país construindo fábricas. Impossível. Industrializar um país é construir mercados”. Paul G. Hoffman.

E mercado, é um conceito que pressupõe, obviamente, um volume ou uma quantidade de transações comerciais ao longo do tempo. Assim, o seu potencial depende fundamentalmente da vontade de cada um de fazer a roda, ainda que enferrujada e um tanto quadrada, girar.

A chamada demanda, que é o combustível de todos os mercados, é definida pelo Aurélio como “a disposição de comprar determinada mercadoria ou serviço, por parte dos consumidores”. Por estranho que pareça, não tem a ver apenas com o dinheiro, embora dependa dele. Ou seja, é estado de espírito, é humor, é temperamento.

Nesse sentido, o ditado: dinheiro não traz felicidade, também se aplica muito bem aos mercados. É por isso, que quando um minístro dá uma declaração infeliz ou acontece alguma encrenca mundial, o mercado empaca como jumento. Pois nenhuma emoção é mais paralizante do que o medo. Medo de investir, de ser despedido, de arriscar, de endividar-se. Medos mais que justificados, na pele pra lá de escaldada do brasileiro.

Mas o medo não só paraliza, como também brutaliza as relações de mercado. No pega-pra-capar, as parcerias são definidas em função de vantagens imediatas e vampirescas.

É por isso que, quando o anunciante conduz a relação comercial para uma espécie de humilhação profissional e a agência não só aceita, como repassa essa conduta aos seus colaboradores, não estamos construíndo mercados.
Da mesma forma, quando essa iniciativa parte das próprias agências, achando que podem recuperar amanhã a concessão feita hoje, não estamos construindo coisa alguma.

Ou, quando o veículo, por alguma razão comercialmente injustificável, esquece o papel intermediador da agência. Fazendo com que a atividade da empresa de propaganda seja confundida, aos olhos do anunciante, com a de um simples corretor remunerado por comissões questionáveis. Certamente, não se está construindo mercado.

Produtoras, gráficas, fotolitos, fotógrafos, enfim, todos aqueles que compõem o Gran Circo de la Comunicación Paranaense, todos têm dar uma mão na hora de levantar o pau e esticar a lona para o espetáculo. Já tem gente demais querendo ver o circo pegar fogo.

Práticas predatórias sempre existiram, o perigo está no momento em que começamos a chamá-las, resignadamente, de “novas regras” e a explicá-las como frutos de uma economia baseada na competitividade, na eterna crise ou na falta de grana.

Mas o baixo-astral não atinge apenas o mercado paranaense, se é que serve de consolo. No entanto, existe uma diferença fundamental, que pode ser ilustrada por um breve encontro com um diretor de arte paranaense que está tralhando em São Paulo e veio, no fim de semana, matar a saudade do friozinho. Na ocasião, não contive a clássica pergunta: e lá como é que tá? Tive que engolir a resposta. “Tá mal, pra todo mundo. Só que lá, os caras são mais profissionais”.

Setembro de 2003
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