E por falar em pousadas

E por falar em saudade, como cantou Vinícius, onde andam as idéias que transformavam anúncios em notícias?
Ultimamente, o novo tem sido o mesmo todo dia: requentado em bureaus digitais ou em banho-maria pelos santos da casa. O gosto não é de todo mal, mas, como empadinha no micro-ondas, meio insosso.

Folheando a Caras ou a Veja, é difícil não ficar nostágico a ponto de achar que no tempo da Manchete e da Realidade é que era legal. Por mais inocentes que os anúncios daquela época fossem, trasmitiam um sincero compromisso com um consumo menos disfarçado e elegante. E os melhores eram muito bonitos.
E por falar em beleza, onde andam aqueles outdoors da Magy e as campanhas imortais do Petit para a Souza Cruz?

Há alguns anos o Romeu da Rio Books, apareceu com uma oferta dos Anuários do Clube de Criação: toda a coleção por um precinho camarada. A Giovana interessou-se mas achou um pouco salgado. Então, me lembro, até meio envergonhado pela canalhisse, fiz a proposta: "Se você topar a gente meia, eu fico com os mais antigos e você com os novos". Até hoje ela deve achar que fez um bom negócio, e talvez tenha feito mesmo.

É, essa é uma profissão estranha, cheia de gente estranha e interessante, movida por ambições que não são ambições comuns, embora não as exclua. Pessoas adolescentemente apaixonadas pelo fazem. Perdidamente obcecadas por vírgulas e outros detalhes que não fazem a menor diferença para quem não é do ramo.

E por falar em paixão, em razão de viver, é curioso constatar como a propaganda é um cacoete, uma especie de vício. Não tão sublime como o álcool ou cool como as drogas. Está mais para uma espécie de roer unhas ou outra prática do tipo, sem nenhuma grandeza patologica que justifique internação ou camisa de força.

Até pouco mais de dez anos, poderia se formular uma hipótese de dependência química, baseada na presença da cola de sapateiro nos departamentos de arte das agências. Para quem não sabe, as artes finais eram montadas com essa cheirosa matéria prima, gosmenta e tóxica, assim como os layouts e tudo o mais.

De qualquer forma, como todo vício, se a sua prática não é capaz de garantir a felicidade, a abstinência nos faz muito tristes.
E não falta nem mesmo aquele ingrediente de culpa fundamental a um comportamento dependente, pois freqüentemente a propaganda é acussada de gerar uma sociedade anciosa, competitiva e violenta. Como se a atividade fosse o mal em si e não ela própria reflexo dessa sociedade doidinha.
Por outro lado, o publidependente - acho que podemos chamá-lo assim – ama e remega o seu vício. Nos seus raros momentos de lucidez durante aquela parada entre Natal e Ano Novo, numa praia encantada, encantado por todos os encantos e protegido do cancer por bloqueador solar, sonha em deixar aquela vida e abrir uma pousada.

O exercício é mole para a mente acostumada a matar jobs e decifrar briefings sob a impiedosa pressão dos prazos. Sim, saberia como fazer.
Como num bom anúncio a graça do lugar estará na simplicidade, só o necessário. Uns cinco ou seis chalézinhos para começar, dependendo do terreno, a cento e poucos paus a diária, com café da manhã.
Agora é só pedir as contas. Antes fosse. No fundo, o projeto libertador da pousada não passa de mais um job fantasma, feito à beira mar sob a supervisão dos siris atentos nas bordas dos seus buracos.

Mesmo assim, a cada merecida pausa a gente passa a lidar melhor com as contradições da profissão, justamente porque se afasta um pouco dela. Conseguimos enxergar melhor como participamos dos seus processos nervosos. Podemos analisar nossa dimensão real longe das ventoinhas dos computadores, dos objetivos irrealizáveis e das pressões inexplicáveis das agências. Então, livre desses véus cotidianos a mente criativa novamente assume o controle, aos poucos, outra vez, tornamo-nos conscientes do poder. Mas ainda resta o mais difícil: fazer serenamente as pazes com o nosso talento que é, em última análise, o nosso valor de mercado.
Estamos prontos. Acabamos de entrar no limite crítico. E embora nosso vício tenha cura, nem todos queremos ser curados.

Feliz temporada a todos.


Dezembro de 2002
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