Se é bonito voa bem

Verão de 1955. Já em seu début, na iluminada atmosfera francesa ele demonstra graça e firmeza. Um ano e alguns meses depois, após muitas correções e ensaios, acontece l'avant- première. Lançado ao céu livre da Europa por 4.500kg de empuxo, o espetáculo inicial é conduzido por um motor SNECMA Atar 101G - francês evidentemente -, em 18 de novembro de 1956.

"Será como uma visão no deserto: o inimigo o verá, mas jamais o tocará", explicou então Monsieur Dassault, seu idealizador, justificando o nome poético escolhido para batizar o projeto: Mirage.

Depois disso, a história é bem conhecida: o Mirage tornou-se a fantástica aeronave que levou a França a se igualar aos Estados Unidos em tecnologia e desempenho na aviação militar. Uma virada incrível no tabuleiro do pós-guerra, considerando-se que depois da Segunda Guerra Mundial a Força Aérea Francesa só operava com aviões de combate estrangeiros.

Os especialistas apontam, a Guerra da Indochina - entre as décadas de quarenta e cinquenta - como a razão que levou o governo francês a voltar sua atenção à reconstrução da indústria aeronáutica, uma vez que a nação dependia totalmente dos seus aliados, principalmente dos Estados Unidos. Entretanto, é razoável supor que a simples dependência da América possa ter sido mais do que suficiente para motivar os orgulhosos franceses.

Reforçando essa hipótese, não seria por acaso que o parceiro do governo francês, para essa empreitada, fosse Marcel Dassault. Nascido em 22 de janeiro de 1892, foi um dos pioneiros da aviação do começo do século XX. Engenheiro e construtor de aeronaves, atuou nas duas Grande Guerras. Foi capturado pela Gestapo em 44 e quase não sobrevive ao campo de Buchenwald. Com o fim do conflito retornou suas atividades assumindo como sobrenome a sua identidade-código da Resistência: Dassault. Seu nome original era Marcel Bloch. Além disso, Dassault foi senador e deputado, editor e produtor de cinema. Morreu aos 94 anos em 1986.

Como se essa biografia não fosse suficiente para marcar sua passagem por essa existência, coube ainda a Dassault uma frase definitiva sobre a eficiência aerodinâmica. Disse ele uma vez: "Avião bonito voa bem".

Quantas teorias e conceitos, das mais diversas escolas, permaneceriam válidos depois de confrontados com assustadora simplicidade dessa frase? Se partisse de um poeta, vá lá. Se fosse referente a um tipo de design de vanguarda, certamente geraria discussões, talvez até inagurasse uma tendência, quem sabe virasse um slogan, justificasse uma moda, sei lá.

Contudo, aplicado à performance de um avião, a frase ganha um significado muito prático e mensurável. Formulada pelo engenheiro francês, herói da resitência, fabricante de um dos mais fantásticos caças supersônicos de todos os tempos, adquire pelo menos a posição de teoria consistente. E fez tanto sucesso como suas magníficas aeronaves.

Lamentavelmente, a máxima de Dassault, ao contrário do Mirage, nasceu facilmente capturável pelo inimigo. Mesmo nos dias de hoje, ainda pode ser encontrada em cativeiro nos folders de consultores de segunda ou confinada em PowerPoints pretenciosos. Usada para o bem, já esteve num book de apresentação da DPZ lá por oitenta e pouco. Tinha tudo a ver com a agência naquela época, e tem tudo a ver com a atividade da propaganda até hoje.

É verdade que anúncios bonitos (não bonitinhos) estão meio em baixa hoje em dia. Mas a história da propaganda tem demonstrado que ainda são os que voam melhor. Conseguem atingir os objetivos com mais precisão e causam maiores danos ao inimigo.

Mesmo assim, a cada dia têm-se a sensação de que o mercado abandonou essa tese há muito. Emaranhando-se num cipoal mercadológico-burocrático, intransponível para quem ousa, mas muito confortável para quem aceita. Talvez essa seja a explicação.
Nessa entediante configuração, para desespero da nossa natureza competitiva, tudo se equivale, joga-se pelo empate, todos perdem.

C’est la vie, como diriam os franceses.


Setembro de 2002
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