Preciso transferir meu Título de Eleitor

Moro aqui há pouco mais de dez anos, lembro-me que ficava estarrecido quanto saia para dar uma corrida num parque, hábito comum entre a classe média paulistana, e não havia ninguém lá. Me perguntava, onde estão todos? o que estão fazendo? para quem foi feita essa pista? para mim? quem sabe? O Curitibano não sai de casa, diziam.

Bem, tirando alguns recessos compulsórios, minha corrida continuou ao longo dos anos e como no filme Forest Gump, minha companhia foi aumentanto a cada ano: safenados, atletas, donas de casa, professores e estudantes. A mudança da estrutura urbana começava a mexer com comportamento social da cidade- ainda faço uma tese sobre esse tema.

Lembro-me de passear só em companhia de carneiros em pleno Barigüi, e eu não estou falando da época dos tropeiros, isso não tem sete, quando muito, oito anos.
Naquela época existia um candidato a presidente fraquinho o Afif lembram, pois ele foi o mais votado em Curitiba. Curitibano é assim mesmo, diziam.

E veio o Mac Donalds: isso aqui não pega, o curitibano não aprecia desse tipo de comida, diziam. E chegou o saudoso Aero-anta: Não tem nada a ver com os hábitos do curitibano, diziam. E se instalou o segundo shopping: Curitiba não comporta dois shoppings, diziam. E mais um shopping: O segundo já está às moscas imagine mais um, diziam. E assim foi com tudo que aparecia de novo. O curitibano é assim, o curitibano é assado. Segundo eles próprios. E a cidade mudando, é gente de fora, diziam.

E a cada manhã, encontro mais gente na pista, agora dei de cruzar o Décio Pignatari. Quem diria, que outras ruas, senão as da paulicéia, seriam pisadas por pés tão concretos.
Mas a cidade não deixa de me surpreender, vejam as últimas: Curitiba não tem oposição, diziam. O pessoal fala que vai votar no Vanhoni mas na hora vota no Cássio, diziam.
O PT não existe em Curitiba, diziam. Porque a cidade floresce se contradizendo, acho que nunca vou entender. É assim que ela vai se transformando sem notar. Distraídos venceremos, disse o poeta que a cidade maltratou em vida. Talvez ele soubesse mais do que devia.

Por isso faz tanta falta,
não por sua poesia,
porque essa, ele deixou escrita,
mas por não viver até o tempo de falar tudo que queria,
de votar.
Se é que votaria.

O versinho saiu sincero, é só uma homenagem.
É, estou me acostumando com a cidade.
E com sua vida política. Que é sempre sem graça, dizem.
Preciso transferir o meu Título de Eleitor.

Novembro de 2000
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