Coração de estudante

Há dois anos, movido mais por motivação pessoal do que por exigência do mercado, - sem desconsiderar todo o esforço de marketing das escolas, bem como as facilidades que hoje se apresentam para quem quer continuar seu aprendizado - me matriculei em um curso de especialização.

Para meu espanto ao entregar a xerox de meu diploma de graduação, no ato da matrícula, pude constatar como meu tempo de estudante tinha ficado distante. Que tipo de escola me esperava?

Nesse intervalo, minha profissão se transformou mais de uma vez. Algumas atividades ligadas a ela praticamente foram extintas. Outras mudaram tanto, que quando contamos aos mais novos como eram os processos do passado, eles nos observam com ar de total incredulidade.

É verdade que, por sorte ou azar, nossa geração pode assistir a mais transformações do que o resto da humanidade em toda sua história. Mesmo assim em qualquer época, vinte anos são vinte anos. Estava curioso diante da volta à escola.

Para minha decepção, logo percebi que tirando o laboratório de informática e as aulas apresentadas sobre PowerPoints, elaborados mais como um mostruário de efeitos do que como um apoio à aula, muito pouco havia mudado na vida acadêmica.

Como nos meus bons tempos, persistia ainda uma rotina baseada em procetimentos burocráticos que, como há vinte anos, se sobrepunham ao essencial, ou seja, à produção de conhecimento. Mas essa é uma visão muito pessoal. Produto, quem sabe, das minhas experiências um tanto frustrantes do tempo de estudante.

Tentando enxergar além do meu plano pessoal, acredito, no entando, que a minha experiência não seja assim tão particular e reflete a realidade, ainda que distorcida, da universidade brasileira.

Essa senilidade da produção acadêmica nacional, foi admitida recentemente pelo Ministro Cristovam Buarque como uma conseqüência da incapacidade da universidade de “acompanhar a velocidade do conhecimento científico e tecnológico de hoje.”

Essa constatação do ministro aponta para dois cenários diferentes, um trágico outro intrigante. O trágico é que a universidade brasileira têm, cada vez mais, uma deficiência qualitativa em relação a outros países. O lado curioso é que mesmo em outras partes do mundo, grande parte do o conhecimento está sendo produzido fora dos campi.

Outro ponto importante, muito discutido hoje em dia, se refere a efemeridade do conhecimento nos dias atuais. Questão que novamente bifurca-se em leituras opostas. Numa interpretação se não ingênua pelo menos otimista, essa questão mostra um mundo cor-de-rosa em constante aprendizado e aperfeiçoamento. Todavia, ao se confrontar essa visão com fatos divulgados pela imprensa no começo desse ano ano, que noticiaram a intenção da instalação de instituições de educação estrangeiras apoiadas pela OMC (Organização Mundial do Comércio), esse cenário torna-se mais coerente com o perverso “consenso de Washington”, do que com um mundo de oportunidades mais ou menos iguais.

É só observar a poderosa indústria que se formou em torno do ensino, do treinamento e do desenvolvimento pessoal. Amparada e justificada pela necessidade, discutível, de inserir a qualquer custo as sociedades nos critérios competitivos do mercado globalizado. Hoje, o estudante e o profissional, de qualquer área, estão encurralados entre um empregador, que exige formação constante e uma indústria de ensino que promete essa qualificação em troca de parte substancial do seu capital.

Não bastasse essa gula de lucros, compreensível num pais com tanto por realizar no campo empresarial, a oferta de empregos é mantida em níveis críticos porque mantém os salários baixos, o consumo mediocre e a inflação sob controle. Nas empresas a competividade individual é estimulada não apenas para aumentar a produtividade, mas para desestimular as negociacões coletivas. É o jeito Brasileiro de participar da economia globalizada.

Me parece inevitável que, ao longo da sua história, a universidade tenha padecido das mesmas doenças e contraído os mesmos vícios que corroeram a saúde ética, moral e financeira do nosso mal alfabetizado país. Tornando-a incapaz de desempenhar o seu papel com a eficiência mercadológica que os novos tempos exigem.

Nunca se apostou na escola, a não ser como investimento político de curto prazo. Ou como oportunidade de negócio, justificada pelas deficiências da estrutura de ensino. Ingenuidade minha, separar a universidade do mundinho maroto da política e da ética volúvel do empresário ou, numa linguagem mais acadêmica, do seu contexto histórico.

Enquanto o Brasil seguir em seu rumo cambaleante do ponto de vista ético, político e econômico. Enquanto não equacionarmos nossos problemas sociais de forma mais sincera e duradoura, a universidade não atingirá, sozinha, seu objetivo. Por outro lado, se não assumir o seu papel no mundo tal qual ele se apresenta, com as suas carências e injustiças, livrando-se da crônica acomodação burocrática, a universidade estará barrando não apenas o seu próprio desenvolvimento mas de todo o país.

Pronto, já me sinto estudante novamente.

Agosto de 2003
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