Criar é parir

"Por fim, pensar criativamente é, antes de tudo, pensar. Reagir à informação, sentir-se motivado pelas questões que surgem, sentir, naturalmente, uma necessidade íntima de achar uma solução. E essa é uma condição que alcançamos, antes de tudo, negando-nos a adotar uma postura passiva diante da vida. Trata-se de um inconformismo saudável e construtivo.
Criar é parir. Portanto, produto de inseminação. Da inseminação da sensibilidade pela informação nova, relíquia mais cara da capacidade de admirar. Cabe a nós não nos deixar amortecer pela rotina, não nos anestesiar pelo condicionamento, não deixar morrer em nós o ímpeto original da busca. Para frente, para cima, para sempre.”

As aspas revelam que eu não fiquei mais inteligente de uma semana para outra. Com esses dois inspirados parágrafos Stalimir Vieira fecha seu livro e abre nossas cabeças. Raciocínio Criativo na Publicidade - edições Loyola 1999 ( Citar a editora e o ano de publicação parece resenha de suplemento cultural, houve uma epóca que se cometia, na imprensa, a afetação - em nome da informação - de registar o número de páginas e o preço, se era estrangeiro então, ficava o máximo: Live from Golgotha, Gore Vidal, Paperback ( October 1993 ), US$10.35 - 220 páginas. Que tal? Não fica erudito? ).

Voltando, vale a pena dar uma lida, mesmo tendo eu contado o final. Como todo trabalho honesto sobre o assunto não é conclusivo, nem poderia, e, sensatamente não se propõe a sê-lo. É legal, sobretudo porque foi escrito por um profissional que ainda não atingiu a condição dívina mas que também já superou a de mortal, ou seja, um apóstolo que está afim de facilitar a vida dos prosélitos nessa profissão de fanáticos.

Outro dia, só por curiosidade, eu digitei a palavra criatividade num "buscador" na internet, em 0,7 segundos, 59.300 resultados foram encontrados. O assunto nunca esteve tão na moda. Pensando melhor, isso não é correto, a partir do fim dos sessentas a palavra começou a ser publicada, a princípio como um conceito quase clínico, em obras psico-afins, depois passou para as páginas de artes e pedagogia, foi para as teses de comunicações e em seguida proliferou-se. A partir daí, não apenas na forma impressa, mas também sonoramente pronunciada em impertinentes debates. Seu signficado, naturalmente, impregnou-se da psicodélica e reprimida atmosfera da época. Qualificou personalidades (Chacrinha), personagens (Beto Rockfeler), artistas (Henfil) e publicitários (Washington Oliveto). Foi repetida, aplicada, distorcida e manipulada, tanto que passou a significar tudo, ou seja, nada. Saiu de moda, ficou guardada no armário das palavras puidas, a espera de ser doada para os pobres de vocabulário.

Feita essa correção, eis que como um sapato plataforma a criativadade está de novo na moda. Hoje, é exigência curricular em qualquer área de atividade, como o inglês e a informática. Em propaganda, nunca deixou de ser, e embora tenha ocupado diferentes graus de importância, ou melhor, de prestígio, ao longo dos anos, as agências sempre tiveram um departamento chamado criação.
Inteligente, o Stalimir chama o seu livro de Raciocínio Criativo na Publicidade. Ao colocar raciocínio a frente da palavra criativo seus objetivos tornam-se mais verdadeiros, sobretudo para quem candidata-se a "criativo". O livro poderia chamar-se, A Criatividade na Publicidade ou só, Criatividade (fica mais curtinho), que diferença faz?

Faz um bocadinho, eu asseguro. Leia.


Dezembro de 2000
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