Fuzileiro durma com o seu fuzil

Novembro de 2005

No último dia cinco, a convite do CCPR, esteve conversando com a gente o Dulcídio Caldeira. Desnecessário apresentá-lo a esse mercado que tanto foi marcado pelo seu trabalho. Acho oportuno, no entanto, destacar que a sua apresentação foi muito legal. Seu rolo corajoso, criativo e estimulante, ainda incluiu uma boa parte de comerciais produzidos localmente e que sobrevivem, apesar do tempo, sustentados apenas pelo brilho das suas idéias.

Logo no início do evento, depois de contextualizar o começo da sua carreira, Dulcídio apresentou seus primeiros filmes e começou a contar uma passagem antiga que, segundo ele, orientou o seu caminho como redator.

Aconteceu, mais ou menos, assim: no começo dos anos noventa, Dulcídio vai pela primeira vez a Cannes assistir ao Lions. Chegando lá, seus neurônios são expostos a um nível de radiação criativa ao qual não estava acostumado. Meio atordoado, naquele ambiente saturado de egos e idéias, Caldeira reconhece um de seus ídolos, Tom McElligott, um dos maiores profissionais de criação de todos os tempos. Mesmo sem dispor de óleo de peroba, tão necessário nessas ocasiões, Dulcídio o aborda com a cara-de-pau lustrada apenas pela vontade de aprender. Apresenta-se e implora, educadamente, por um encontro com o mestre. Deixa o telefone do hotel onde está hospedado e fica aguardando, ansioso, pelo resultado da extração do destino. Era o seu dia de sorte, o mestre liga e agenda um café para a manhã seguinte.

A conversa foi amigável e direta. No fundo, o que Dulcidio queria saber, era como se tornar um grande redator. Haveria uma fórmula, um método?
Gentilmente e sem muitos rodeios, McElligott começou a lembrar que quando serviu aos Estados Unidos como fuzileiro, o sargento tinha uma frase que resumia bem a intensidade do treinamento: “Fuzileiro, durma com seu fuzil,” dizia ele.

Quando, mais tarde, Tom decidiu tornar-se um grande redator, logo percebeu que a coisa não era assim tão simples. Perception - Reality - por mais que tentasse não conseguia fazer nada razoável. Foi quando pareceu ouvir a voz rouca do maldito sargento: “Fuzileiro, durma com seu fuzil.” A resposta veio automática: “Sir, yes sir!”

Assim, adotou o treinamento dos fuzileiros na sua nova frente de batalha, ou seja, passou a dormir com a máquina de escrever.
Porém, também nessa fase, foi preciso rastejar, vencer o sono, o cansaço e submeter-se à disciplina rigorosa. Assim, dia após dia, foram devorados anuários, rasgados incontáveis roteiros, formulados infinitos conceitos e descartadas montanhas de idéias. Até que, um belo dia – depois de quatro anos de treinamento -, seus tiros começaram a atingir o alvo. Cada vez mais e em intervalos menores…

Elegantemente, McElligott encerrou sua narrativa por aí, até porque a partir desse ponto, além de conhecida, a história se tornaria muito autocontemplativa. Despediram-se com cortesia e retornaram à maratona do festival.
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