Crises, crises

Dizem os consultores e otimistas em geral que nelas escondem-se as oportunidades. Vá esconder bem assim lá no inferno! Por outro lado, se assumirmos isso como verdadeiro, devemos então estar vivendo na era e na terra das oportunidades.

Não faz muito tempo - mais uma vez - as agências começaram a demitir ou ajustar-se, se me permitem o eufemismo. Que a notícia não é nova eu sei. Entretanto, não sinto desatualidade em comentá-la somente agora, até porque essa história é muito mais velha do que vocês imaginam.

Desde quando me lembro, a nossa atividade encontra-se em crise. Os motivos variaram conforme as conjunturas da época e já o foram quase tudo que se possa imaginar: empobrecimento da classe média, planos econômicos, custos dos veículos, sei lá o que mais.

É sempre igual, um belo dia entra alguém na criação e comenta: "Cês viram? A Thompson demitiu não sei quantos" - geralmente é um número maior que a totalidade dos funcionários da agência. Porém o mensageiro não merece censura, notícia ruim tem que ser dada com certo exagero, senão neguinho nem se dá conta, tal é a quantidade de más notícias diárias. Na semana seguinte de novo entra o urubu e larga: "Cês viram? A Olgilvy..."

Se, num espaço de dois ou três meses, recebermos semanalmente a visita do agourento colega, esse não é o melhor momento para discutirmos aquele ajuste de grana que ficou para ser conversado depois. Esteja certo, a crise mais uma vez chegou, com a mesma regularidade da primavera européia ou das inundações paulistanas.

Mas, para não ficarmos apenas brincando com essas coisas tão sérias, vejam alguns dados dessa edição da crise: segundo o Sindicato dos Publicitários do Estado de São Paulo, foram homologadas, só em agosto deste ano, 225 demissões, contra 39, do mesmo período, do ano passado. Se considerarmos que apenas funcionários com mais de um ano de casa estão obrigados a homologar suas demissões no sindicado, é claro que esse número é muito maior.

"Mais de mil", diria nosso amigo. Muito mais, eu acrescentaria. Se imaginarmos que grande parte das agências têm relações trabalhistas que não podem ser computadas por esse levantamento, como pessoal não registrado e outras informalidades incompatíveis com a ética que a modernidade corporativa requer.

Não sei por que, de repente, tive a lembrança de meu avô conversando com tios e outros quatrocentões falidos sobre a crise de 1929. Bons tempos aqueles, quando a catástrofe podia ser localizada num espaço de tempo tão claramente definido. Mais recentemente, para não ter que ficar batizando cada crise, como fazemos as gripes, aprendemos a agrupá-las em décadas. Assim, os anos oitenta passaram a ser a "década perdida", ressaca e conseqüência dos tempos do "milagre" e da crise do petróleo, que foram duas se não me engano, no começo e no fim da década de 70. E é claro, do endividamento que no início dos anos 80 nos obrigou a fazer feio dando o calote: crise econômica sim, mas, inegavelmente, moral também.

E de crise em crise, foram surgindo as novas agências que cresceram, cresceram para então integrarem a crise atual - evidentemente, apenas as que sobreviveram a crise passada. Muitas alegremente idealizadas em pubs pelos próprios desempregados, vítimas da crise, e algumas parcialmente financiadas pelas próprias indenizações trabalhistas - muito bem-vindas num momento de crise.

Assim tem sido. Para o bem ou para o mal, é a forma do mercado regular-se, manter-se e, é claro, ganhar dinheiro. Entretanto, desemprego é sempre chato, quase sempre injusto e não combina nada com o estilo de vida que a propaganda prega e emprega.

Por isso, incomoda um pouco mais, a cada repetição desse melancólico ciclo, ouvir comentários cheios de ressentimentos classistas, paranóias burguesas e justificativas corporativistas. Como se pertencêssemos a uma classe de proletários excluídos como estivadores poloneses ou carteiros russos. Quando somos, isto sim, apenas mais ingênuos.

Naturalmente, em reação a essa recorrente conjuntura, surgirão idéias novas, saídas espertas, registradas nas atas solenes dos dirigentes, bem como nos guardanapos e em outros suportes menos convencionais do pessoal mais revolucionário.

Quem sabe que oportunidades escondem-se nesse quadro filtrado pelo blur traiçoeiro da crise? Que segmento surgirá como salvador do mercado? De onde virão as verbas redentoras?

Por enquanto, é tentar dormir bem, se alimentar direito, essas coisas que a gente, às vezes, esquece.

Dezembro de 2002
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