Reclamando evoluímos

¿Quiénes somos, de dónde venimos y cómo llegamos hasta aquí?
Em espanhol essas questões parecem ficar ainda mais urgentes.
Muitas definições foram aplicadas à espécie humana: é a que pensa, a que possui sentimentos, a que se comunica. Que se mata, que cria, que produz arte.

Honestamente, acho todas plenamente adequadas para diferenciar o bicho que somos dos bichos que gostaríamos de ser. Quem já não quis ser um pássaro, uma fera ou uma mosquinha pra estar naquela sala?

Nenhuma dessas definições entretando, mesmo quando somados seus significados, consegue abraçar conceitualmente o humano em sua complexidade. Por isso, fico à vontade ao contribuir com mais uma hipótese para ser acrescentada à lista. Confesso, desde já, não possuir formação em qualquer área que me habilite à aventuras nessa questão tão vital que, a rigor, só deveria ser abordada por doutores devidamente graduados e em dia com as anuidades dos respectivos Conselhos Regionais.

No entanto, mesmo sem a imprescindível formação acadêmica e a fundamental metodologia científica., a convivência diária com os semelhantes, de certa maneira, me credencia, como a qualquer outro Pitecantropo, a fazer especulações sobre o assunto, apenas embasado no senso comum e na observação sistematizada.

Após esse monótono mas necessário preâmbulo, as mentes mais sarcásticas podem estar concluindo que, entre outras coisas, a espécie humana é única que possui a capacidade de enrrolar. Tudo bem, visto a carapuça.

Mas voltando ao assunto. Onde estavámos mesmo?
Ah! Sim, Minha conclusão a respeito dos humanos é que: somos a única espécie que reclama.

Essa peculiar capacidade tem sido fundamental para a sobrevivência do homem. A manifestação da insatisfação leva à qualidade em todos os níveis. Reclamando, a humanidade entrou em guerras, demarcou territórios, fez revoluções, aumentou a qualidade de vida, melhorou os produtos, aperfeiçoou os serviços, reformulou padrões e, muitas vezes, apenas encheu o saco.

Os avós dos SAC eram os departamentos de reclamações. A imagem típica desse departamento era um balcão com uma funcionária de aparência bem desestimulante identificado por um letreiro: RECLAMAÇÕES. Pra falar a verdade, eu nunca vi um departamento desses, mas acho que existiam de fato. Lembro-me dos telefones estampados nos ônibus RECLAMAÇÕES: 22 22 22.

Não podemos esquecer também que, até pouco tempo o material de caráter publicitário era chamado de "reclame".
Reclamando evoluímos.

Por outro lado, o aspecto sombrio desse traço da espécie manifesta-se naqueles personagens que adotam a reclamação como seu motivo de existência, fazendo a vida em geral parecer muito chata.

E apesar dos 250 milhões de anos dispendidos para chegar a forma do nosso cérebro. Dos esforços de todos os heróis, de todos os iluminados e da maioria bem intencionada da humanidade: tudo o que conseguimos foram ilhazinhas de comportamento civilizado, cercadas de tendências apocalíticas por todos os lados. Por isso, temos que admitir que, em 90% do que diz, o Homo reclamante tem razão.

O incoveniente é que a mutação, instintivamente guiada por seu cérebro réptil, reclama também do restinho da vida que vale a pena.

Se está frio é porque está frio, se está calor é porque está calor. Impossível satisfazer o Homo reclamente mesmo com um amigável cafézinho. Fatalmente, no seu entendimento, estará forte ou fraco, quente ou frio, melado ou sem açúcar. Para o Homo reclamante, os restaurantes são todos sofríveis, exceto um que é ladrão. Adoram ir ao cinema para reclamar do ar condicionado e do casal ao lado. Em seguida vão até uma pizzaria reclamar da mesa, da demora, da massa, do atendimento da conta e, é claro, aceitam café ao final. Nem é preciso dizer que, os nossos colegas dessa espécie, reclamam também do resultado do Colunistas.

Nas dicussões políticas os Homos reclamantes são imbatíveis, até porque reclamam do próprio canditado. Ter um como cliente, só não é pior do que como chefe. Issuportável é um cunhado reclamante. Um parente é carma e com a arrepiante constatação de que o gene deve estar na família...

Opa! Agora fiquei preocupado.

Março de 2002
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