As pessoas gostam

Novembro de 2003

“Toda empresa deve desenvolver uma filosofia de comportamento socialmente ético e responsável, conforme o conceito de marketing social, todo gerente deve ir além do aspecto legal e desenvolver padrões baseados em integrideade pessoal, consciência corporativa e bem estar do consumidor a longo prazo. Uma filosofia clara e responsável irá auxiliá-lo a lidar com as várias questões intrincadas propostas e por outras atividades humanas”.

Quem saberia dizer de onde foi estraído esse parágrafo?

A) De uma palestra de Oded Grajew;
B) Da coluna do Gilberto Dimenstein;
C) De um livro de Phillip Kotler;
D) Da missão da Natura.
E) De uma entrevista de Anita Roddick

Vamos ao resultado: o parágrafo foi estraído do livro Princípios de Marketing de Philip Kotler e Gary Armstrong - LTC - Rio de Janeiro - 1999.
Por isso, quem respondeu alternativa C, parabéns. Você é dos poucos que lêem antes de sair citando e, mais ainda, até o fim. Afinal, a citação foi retirada da página 483 da obra que possuí 526 páginas. Se descontarmos o glossário e o índice, sobram 506. Portanto, na pior das hipóteses, você já pode ser incluído no seletíssimo grupo dos profissionais de marketing com boa formação teórica.

Infelizmente, hoje em dia, isso não significa uma “vantagem competitiva” muito importante, embora possa ser um diferencial interessante numa situação acadêmica.

Se você não acertou, não tem a menor importância. Porque, na verdade, a afirmação poderia partir de qualquer um dos listados. Uma vez que esse tema está incluído, pelo menos no discurso, na agenda de quase todas as empresas e entidades, preocupadas em desenvolver relações comerciais capazes de gerar maior lucro social. Ou pelo menos não causar prejuízos nessa área.

Mas essa brincadeira é só um pretexto pra abordar uma questão que, às vezes, incomoda nesses tempos politicamente corretos e um tanto hipócritas: como um posicionamento social pode conviver com a estética da propaganda?

Vejam só, Curitiba está implantando um mobiliário urbano que possuí um espaço para publicidade, superlegal. Agora se preenchermos esses espaços com materiais horríveis a cidade vai ficar um terror. Se veicularmos peças bacanas, Curitiba fica mais bonita. Isso não significa que devemos criar uma espécie de comissão julgadora municipal para eleger os materiais veiculáveis sob o ponto de vista estético. Por outro lado, é uma boa hora de se perguntar: será que não temos nada a ver com isso?

Em qualquer capital se discute muito sobre a poluição visual que a propaganda produz. No entanto, de nada adianta regulamentar placas e normatizar espaços se eles forem preenchidos com lixo visual e pobreza cultural. A desculpa é sempre a mesma: tem que chamar atenção. Ou então: as pessoas gostam. Se gostam, então por que reclamam tanto da poluição visual?

Nas mensagens dirigidas às classes C e D as justificativas tornam-se mais bizarras. Somos levados a seguir padrões estéticos que foram estabelecidos para elas, sob o argumento de que esse público não entenderia uma linguagem esteticamente requintada. Identificando-se apenas com um repertório pobre, de clichês de gosto duvidoso.

Dentro desse raciocínio, uma professora de Educação Artística de uma escola pública deveria fixar seus objetivos em que referencial? O da propaganda? Se o mundo funcionasse assim, os meninos da classe D não sonhariam com os Nike da classe A. E os jogadores de futebol, de origem simples, ao serem conduzidos à fama e fortuna, não comprariam carros posicionados para classes mais privilegiadas.

É verdade que só por pertencer à lista de compras da classe A, um produto torna-se, quase que automaticamente, alvo do desejo dos segmentos com menor poder de compra. Mas ninguém nunca investigou se comunicação segmentada para a classe A faria sucesso nas classes C e D.

Diante dessas questões, parece que o conceito de responsabilidade social poderia, muito bem, orientar também os aspectos formais da publicidade. Afinal, um anúcio ruim é visualmente poluente, psicologicamente indigesto e socialmente nocivo.

Simplesmente taxar a propaganda de irresponsalidade social seria, sem dúvida, uma simplificação espiatória ingenua e perigosa. Uma vez que ela é mais reflexo do que causa das contradições sociais. Por outro lado, agir como se não tivessemos nada a ver com a questão é assumir a alienação como postura. O que é, no mínimo, antiprofissional.

Novembro de 2003
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