Saudades do puxadinho

Toda a agência começa numa casinha... Já começo a ouvir as vozes dos polemistas coleguinhas, levantando uma porção de exemplos de agências que começaram, num conjuntinho comercial, na casa da vó, em cima da borracharia e assim por diante. Num bar não aceito, porque todas são concebidas num bar, estou falando da materialização. Em favor desses exemplos, dizem que até a glamurosa DPZ iniciou suas atividades, como Metro 3, se não me engano, na sobreloja de uma padoca, cujo telefone era gentilmente dividido entre o portuga e o talentoso trio.

Porém essas exceções só ocorrem, de acordo com a minha tese, porque essas empresas ou não encontram as suas casinhas ou não possuem dinheirinho para alugar uma. Mas, na primeira oportunidade, lá vão elas em busca da sua casinha. A DPZ foi para uma casona na Avenida Brasil.

Por isso, agência que é agência ou que quer tornar-se uma, tem que passar pela fase da casinha. Depois é outra coisa: umas arregaçam "la boca del balonaço" e vão para belissímos edifícios espelhados, outras realizam o sonho da sede própria, construída de acordo com o seu projeto empresarial e, muitas ainda continuam felizes para sempre nas suas singelas casinhas. E assim cada qual segue o seu destino. Porém, ainda existe um momento comum a todas as histórias: a casinha um dia torna-se pequena.

Bem, isso antes de ser um problema é um bom sinal, significa que a agência cresceu, está se viabilizando. Mudar nem pensar, afinal foram anos de batalha e investiu-se um monte na casa. Só a sala de reuniões ficou uma bala, não sei quantos mil dólares. E depois, não é só o dinheiro, o lugar tem um superastral, todo mundo curte, é fácil de estacionar. Os fornecedores elogiam, os clientes adoram e o mercado respeita.

Várias happy hours e dezenas de reuniões depois, a decisão: vamos ampliar nossa sede para proporcionar mais conforto aos nossos talentosos profissionais da criação. Estabelecendo assim, um ambiente facilitador à realização do trabalho criativo, que é afinal de contas, nosso produto. Traduzindo: Levantaremos uma obra bem da baratinha, pintaremos de branco e eles ( a criação ) que tratem de transformá-la num lar.
Agora não pensem que essa aberração arquitetônica, conhecida vulgarmente como puxadinho, é uma prerrogativa da nossa atividade. Ao contrário, isso só inclui o empresário de propaganda no modelo típico de comportamento do brasileiro, possuidor de um talendo niemeyeriano nato, conjungado a um indomável espírito expancionista, herança talvez dos Bandeirantes ou mais remota, dos navegadores portugueses.

Não julguem entretanto, que é ação de pessoas simples e pouco instruídas. Um passeio pela cidade observando as coberturas dos edifícios, mostra que está presente, literalmente, no topo social: só dá puxadinho nos duplex. E daqueles bem safados, cobertos com telhas de amianto. Uma vez um engenheiro me explicou que tinha que ser assim mesmo por causa da estrutura dos prédios, imagine se não fosse.

Infelizmente, não somos um povo perfeito e o puxadinho faz parte do lado sombrio da natureza brasileira, não deixa de ser uma manifestação mórbida do jeitinho. E apesar de ter nome de chorinho ele não merece nem chote, nem polca, nem valsa. Porque ele é feio. Desrespeitoso com o espaço e ofensivo à beleza das casas e a graça das cidades. É o demais, a pretenção, a sobra, o mal feito, a rebarba, o porco, o pobre. Tudo que o nosso trabalho não deve ser. Não poderia ser, portanto, inspiração.

Por isso, tenho o maior respeito pelos redatores, diretores de arte e outros profissionais da propaganda que trabalharam nessas aberrações arquitetônicas e sobreviveram limpos, generosos e talentosos. Merecem morar em coberturas, sem puxadinhos.

Novembro de 2001
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