Será que chove?

O ar pesado se arrasta a muito custo numa brisa morna perfumada pela maresia.. Carrega também um cheiro que pode ser decomposto em, camarão frito, cerveja, limão, peixe, protetor solar e , é claro, urina..

Contemplo distraído, o limão sendo ritualísticamente macerado com açúcar. Turisticamente, em vez de assistir a liturgia alquímica, com a devida reverência, em siliêncio, puxo assunto: Dia lindo, não? Tá bonito sim, mas vai virá pra chuva, o caiçara responde, enquanto, elegantemente, agita no ar os dois copos dispostos boca com boca.

Bem feito, pensei. Quem mandou abrir a boca? Saber que o tempo vai mudar, de alguma forma deixa o dia mais feio ou pelo menos bonito. A exatidão do diagnóstico está fora de questão: meteorologistas fazem previsões, caiçaras apenas reportam a simples obviedade da natureza..

Fazer o que? Tomei a caipira e o dia ficou bonito de novo. Quando estava no fim da segunda cerveja que sucedeu a primeira caipirinha, a brisa já começava a cheirar diferente, pude reconhecer nuances aromáticos da patagônia que anteviam a frente fria. A conexão estava alquimicamente refeita e o caiçara absolutamente correto.

Nessa modorra é que a revelação comecou a formular-se na minha mente, encantada pela filosofal beberagem.

Nossa percepção sobre os fenomenos naturais tem se resumido a julgar a qualidade do ar pela ardência dos olhos, o que não deixa de ter utilidade, por que mantém viva a pergunta: Que catsu estamos fazendo aqui?

Então será que já não existe uma espécie de homídeo-cosmopolita? Não apenas do ponto de vista sociológico. Estou falando de um novo bicho, genética e neurologicamente diferente. Equipado com um repertório de mecanismos de sobrevivência adequados ao estilo de vida das nossas cidades/ mercado. Uma raça que, como o caiçara, seja capaz de prever alterações no seu meio, como uma alta no dólar, por exemplo ou uma queda na bolsa. Isso porém, sem utilizar o cientificísmo acadêmico, que como a meteorologia oficial é muito falho. Capacitado por instinto, a sobreviver no ecossistema financeiro, não porque seja assinante de Exame, mas porque faz parte da sua natureza..

Um ser que pudesse acordar de manhã e um décimo de milézimo de segundo antes de ligar a televisão comente com a esposa: hoje o ar tá com cheiro de crise Argentina. Não esquece de comprar uns dólar antes do armoço.
Não estou me referindo, insisto, àquele tipo de previsão óbvia que trata das relações patrão/empregado, governo/cidadão, ética/política. Nessa área, o ser humano ou melhor, o homo sapiens, possui um mecanismo auto regulador de natureza controversa , que pode ser traduzido como: me egana que eu gosto. Esse mecanismo porém, parece ter o seu desenvolvimento de forma cultural, não é portando instintivo.

A essa altura da minha especulação darwiniana, começo, com certa nostalgia, a concluir que a raça humana, como nós conhecemos, está em vias de extinção. Cada um de nós carrega diminutas, porém indeléveis, mutações úteis apenas aos frios propósitos evolucionistas. Genes que serão selecionados e transmitidos às futuras gerações segundo sua utilidade para sobrevivência financeira da espécie. Isso pode ser comprovado pelas inumeras histórias de todos aqueles que fizeram negócios um dia antes do plano Collor e passaram o mico adiante. Pessoas simples, comuns, que até hoje vivem agradecendo aos padroeiros, sem se dar conta que, na verdade, foram orientadas pelo gene mutante que carregam.

Nada de pânico. Não existe tragédia em evoluir, uma vez que estaremos eternizados nesse “homo qualquer coisa”, da mesma forma que o nosso colega das cavernas está em nós.

É bem verdade que, lamentavelmente, o novo senhor do mercado não terá nenhuma habilidade em prever a chuva, tomara não perca a capacidade de delirar.

Julho de 2001
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