Leite de pedra

Crie pensando em Prêmios. Esse é o título de um texto muito bacana de Carlos Domingos que achei, há algum tempo, no site da ABOUT.

Com muita competência, Domingos constrói um raciocínio bem legal a respeito das, sempre polêmicas, premiações. Cita Hitchcock, que nunca ganhou um Oscar, que consolo heim? Woody Allen, que nunca foi a um, mesmo ganhando.

Essas comparações, separadas do texto, podem soar presunçosas e talvez até sejam um pouco, não faz mal. O encantamento do assunto permite. Então, para não distorcer muito o pensamento do Domingos acho mais prudente transcrever um pequeno parágrafo que, acredito, resume bem o que ele quis dizer.

"Pense em prêmio na hora de criar ( obviamente, estou falando de peças com briefing, planejamento, anunciante ). Seu cliente também só tem a ganhar com a criatividade, pois quando o comercial do produto dele estiver no ar, os telespectadores não irão ao banheiro".
Bom não é? Gosto dessas estocadas, dão dignidade à atividade. Entretanto, mesmo entendendo que ele se refere aos fantasminhas, eu dispensaria o parentesis, nenhum de nós de criação precisa, a toda hora, ser lembrado de nossas responsabilidades.

A gente só está aí porque as agências precisam de pessoas capazes de materializar suas promessas. Precisam de cestas de 3 pontos. De braço. De aces. Precisam de chutes a gol. De espetáculo.

Por tudo isso, é previsível, saudável e necessário, que os mercados realizem seus eventos de premiação. Onde seja legítimo levantar o troféu, receber medalhas e subir no palco. Onde seja justo brindar e adequado beber um pouco a mais.

Nada mais ritual que celebrarmos nossas epopéias anuais, nossos "Doze trabalhos", nossas "Missões impossíveis", nossas "Sextas-feiras treze".

Mas, além de mobilizar essas energias grupais, os prêmios também têm a capacidade de atiçar um aspecto cômico do nosso caráter. Não há o que fazer, a vaidade é sempre o efeito colateral de qualquer afagada no ego. Acomete desde sindícos até governantes, passando por tenores e, com excessiva freqüência, a nós publicitários. Temos que conviver com isso, como um tenista com as suas dores no ombro. Pensando bem, seria até estranho viver sem.
Por aqui, acabamos de acompanhar mais uma edição do Colunistas. No entanto, entre as araucárias as coisas são um pouco diferentes do eixo.

Só para ilustrar, no nosso mercado tão carente de auto-estima e budgets, já ouvi declarações de boteco - o que não as tornam menos válidas - de que naquele ano, determinada agência não inscreveria peças no Colunistas porque estava economizando para inscrevê-las em Cannes. É de cortar o coração. Me lembra aqueles depoimentos dos nossos primeiros e mais verdadeiros craques que iam trabalhar de bonde e quando jogavam na Europa, viajavam como deportados na terceira classe. É vender o almoço pra comprar a janta.
Paralelamente a essa singela história de Cinderela possuímos representante entre as vinte agências no ranking nacional. Mas isso é uma outra discussão.

Voltando aos prêmios, eles não trazem clientes é verdade. Assim como propaganda não vende.

Por outro lado, prêmios motivam, geram qualidade. Prêmios valorizam os profissionais. Permitem que nossa atividade seja avaliada por critérios mais sofisticados. Prêmios ( me perdoem o termo ) agregam valor a marca da agência. Prêmios justificam remunerações. Prêmios posicionam. Prêmios atraem os melhores talentos do mercado para a agência. Prêmios são fatos relevantes para acões de RP. E, finalmente, prêmios reforçam o conceito de mercado.

Sem contar que é uma delícia de ganhar.

Por isso, congratulações a todos que selecionaram, relacionaram, separaram, preecheram, somaram, colaram, empacotaram, entregaram, torceram, votaram e questionaram.
As pastas, sempre entregues na última hora, pareceram mais pessadas naquele dia, não só devido ao estresse da pauleira sobreposta ao pegua-pra-capar diário. Mas, também porque, além de papel e cola, a pacoteira continha um pouquinho de frustração nas peças enfeiadas pela mão do cliente; um tantinho de revolta na produção que o orçamento determinou. Um bocado de tristeza no resultado que o prazo permitiu. E, nas melhores peças, o já tradicional leite de pedra.

Parabéns a todos os envolvidos. Parabéns ao mercado.

Março de 2002
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