Amigo secreto

Um dia alguma cantora da moda vai lançar, nessa época, um CD chamado Amigo secreto. Disco de Platina na certa. Nada contra um nem outro.Tudo é Natal. Pensando melhor, amigo secreto a gente tem o ano inteiro. É todo aquele que só se revela na hora em que precisamos dele: o desconhecido que pára e ajuda a empurrar o carro, o que troca uma nota de cinqüenta, empresta o macaco, a chave de roda, aquele conhece a rua que estamos procurando, o que dá fogo.

Têm os que nos dão sorte. Que fazem a gente perder o vôo predestinado. Que nos desviam da tocaia. Que vão em nosso lugar. Deus os abençoe.

Nós de propaganda, temos que agradecer, particularmente, àqueles que nos abastecem de idéias. São os personagens dos intervalos da novela da nossa vida, que assistimos todos os dias. Quantas vezes apenas roteirizamos as suas experiências, colocamos um packshot, uma assinatura e pronto. Obrigado, em nome da classe. Se me permitem.

Na noite eles são incontáveis. A começar por aquele que avisa que esquecemos a luz do carro acesa, ou pelo estranho que têm dois ingressos na porta do teatro, a preço de bilheteria. Até o confidente anônimo, que escuta silenciosamente nossas ébrias filosofias - se bem que nesse caso, é forçar a amizade-secreta .

Mas é no dia -a-dia que se conhecem os verdadeiros amigos-secretos. Vocês têm ido aos bancos ultimamente? Não precisam responder, todo mundo tem ido aos bancos ultimamente. Ah, se não fossem os amigos secretos: uma e pouco da tarde, coloco o celular na abertura da porta -giratória, entro e apanho uma senha.,165. O painel marca 68, ou seja, quase uma centena de clientes na minha frente. Bem, quatro caixas abertas, uma está fechando, três caixas abertas, ou melhor, duas, outra acabou de fechar. Quarenta minutos no mínimo, calculo. De repente, uma mulher desiste de esperar e me oferece sua senha, 92. Ôba, apenas vinte minutos. Obrigado amiga, agradeço do fundo do coração.

E não são só através desses grandes galhos quebrados que se mostram os nossos amigos- secretos. Certa manhã encontrei um no elevador, nem bem entrei e ele já foi me dando dando bom-dia. Não é surpreedente? Outro, à tarde, segurou a porta para me esperar com as compras do supermercado. Existe? Falando nisso, já aconteceu de alguém permitir que você passe à frente no caixa do supermercado, quando percebe que carrega apenas uma garrafa de vinho e não vê porque deixá-lo esperando na fila? Pois comigo já. Coisa de amigo. Tudo bem, reconheço que sou um cara de sorte no que se refere a amizades-secretas.

Buscando explicações em outros planos: dizem os mais envolvidos nesses assuntos, que vamos encontrando as mesmas almas com as quais convivemos em outras vidas.
Nesse caso fui muito popular em outras jornadas, talvez some muitas passagens por essa dimensão, é que nem repetir de ano. Não me envergonho.
Verdade ou não, para mim a brincadeira do amigo-secreto não consegue ser totalmente justificada pelos bilhetinhos enigmáticos ou pela prática socialização do presente. Confesso que jamais fiquei muito à vontade sortiando alguém para ser o meu amigo-secreto, embora nunca tenha tido o azar de pegar o patrão, ai é mico. Nas vezes em que participei, por sorte, só tirei pessoas bacanas.

Não tenho dúvida que encontrarei muitos amigos-secretos pela minha vida.. Seus nomes estão caprichosamente escritos com letra de secretária em papeizinhos dobrados e misturados numa gigantesca caixa de sapatos, só se revelando pela da mão providencial do acasso.

Feliz Natal, meus amigos.

Carlos Guimarães.

Dezembro de 2000
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