Salário fantasma

Dezembro de 2005

Há muito tempo, na época em que propaganda dava mais dinheiro que prestígio, no estúdio do Sérgio Jorge havia um cartaz com o título: “ESPECIALIDADE DA CASA.” em Franklin Gothic, aplicado à foto de um imponente e roliço pepino. Talvez esteja lá até hoje, perdido entre tripés, fundos e rebatedores.

A agência vizinha ao estúdio fazia mais o estilo clean com grandes quadros abstratos na parede. No entando, não era raro encontrar nos departamentos de criação avisos e posteres bem humorados alusivos a aspectos, às vezes, sombrios da profissão, como o de uma agência em São Paulo, citada pelo Beto Vivas: “MANTENHA O PÂNICO.” Ou um outro, se não me engano, na Lintas: “PROIBIDA A ENTRADA DE CACHORROS E CONTATOS.”

Da mesma forma, surgiam as expressões cunhadas na descontração das happy hours ou no suplício das madrugadas, que passavam a fazer parte do vocabulário, digamos, técnico da profissão. “ESSE ANDA COM CANUDINHO NO BOLSO”, por exemplo, acho que ainda hoje é usado para identificar aquele profissional que não passa por nenhuma crise de consciência ou conflito de valores ao cometer os plágios mais descarados. Na época, muito mais díficeis de serem identificados, porque a cultura publicitária não era tão uniformizada e difundida como hoje em dia. Teve até quem desenvolveu uma certa metodologia pessoal para “chupar” idéias bastante segura. Existia, inclusive, quem defendesse abertamente a felação intelectual alegando que se nós, subdeselvolvidos, copiavamos a moda, os produtos, os processos industriais e as tendências artísticas, por que esse pudor com a propaganda? Área, culturalmente, muito menos relevante e na qual os gringos eram muito melhores do que a gente. Não justificava mas, temos que admitir, havia bastan e consistência na argumentação.

Outra fórmula bastante usada, na construção desses conceitos, era adaptar um ditado ou frase bem conhecida para o contexto da propaganda: “CLIENTE É TUDO IGUAL, SÓ MUDA DE AGÊNCIA.” “JOB BOM É JOB MORTO.”

E havia nos estúdios avisos, surpreendentemente, bem-humorados para quem trabalhava dezoito horas por dia numa atmosfera impregnada de cola de sapateiro. Pensando bem, talvez fosse por isso: “PEDIDOS PRA ONTEM, SÓ AMANHÃ.” “QUEM MANDOU NÃO ESTUDAR?”

Mas nem tudo era inteligência e bom humor nas agências, de vez em quando surgiam umas coisas do tipo: “PENSE NO CLIENTE” Escrito em várias línguas que era medonho. Também tinha um cartaz bem-intencionado, mas de gosto pra lá de incerto que era o “IDEA KILLER” – uma ilustração de uma espécie de dragão, malvadão, circundada pela relação de não sei quantas maneiras de se matar uma idéia.

Mas esse tempo passou. Com o material gráfico mais acessível e a chegada, primeiro, das máquinas de xerox nos estúdios e depois dos computadores, os avisos e posteres foram se tornando mais descartáveis e pontuais, pois agora podiam ser substituídos a toda hora. Além disso, com a digitalização da propaganda, os estúdios e mesmo a criação perderam o seu look underground - mixto de oficina mecânica com atelier de costura - para se tornarem mais próximas de um comportado escritório de contabilidade.

O que de forma nenhuma dimimuiu a produção de magníficos aforismos sobre a profissão e que todo dia transitam pelos e-mails, reuniões, apresentações, palestras, conversas de boteco e por outros foruns informais.

Por exemplo, sobre as frustrações que as limitações locais provocam, não existe nada mais representativo que o ferino, já corrente, “ISSO NÃO É MERCADO, É QUITANDA.”

Acredito que do mesmo autor seja a "W/GAVETA", que indica o lugar para onde vão as boas idéias rejeitadas no dia-a-dia das agências.

Da mesma forma, já está incorporado o “COM QI NORMAL FiCA DIFICIL”, desabafo provocado pelo extenuante martírio de se criar algo mais bacana do que a média.

E, mais recente, tem a maravilhosa definição, talvez um pouco exagerada, da decadência ética e profissional que aflige a propaganda:
"HOJE EM DIA, ATÉ O SALÁRIO É FANTASMA."

PS. Não estou certo sobre a autoria das frases citadas nesse texto, nem do interesse dos seus autores em assumir publicamente seus enunciados bastardos. Diante disso, optei por omitir os nomes dos suspeitos.
Portfolio ...|... Revista ...|... Below ...|... Jornal ...|...Design...|... Contato ..|..Alltype..|