Os dez mandamentos e a aldeia

A internet democratizou a informação numa medida em que até o mais visionário futurólogo não poderia prever. Hoje com um computador e uma linha telefônica, só para ficar nos meios mais convencionais, têm-se acesso a um um volume de informação jamais imaginado. Isso, diziam os e-Messias no início dos novos tempos, iria possibilitar, que um cientista de um pais paupérrimo do Quinto Mundo acessasse grandes centros de pesquisa, tornando cada vez menor a diferença de desenvolvimento entre os paises. Enfim a Aldeia Global profetizada por Marshall Macluhan, deixava a dimensão teórica e materializava-se de verdade, o sistema neurológico do planeta começava a fazer sinapses para um número significativo de pessoas.

O nosso heróico físico quântico quinto-mundista, entretanto, também é filho de Deus e passada a euforia messianica inicial, começou a curtir as vantagens menos profissionais da rede. Com a facilidade de um duplo-clique, iniciou um programa de visita aos grandes museus, adquiriu livros e coisas que antes nem sonhava.. Essa etapa,depois de ameaçar o limite do cartão, foi entrando no ritmo tedioso da normalidade. Seu espírito inquieto de pesquisador fez então incurções pela área da e-sacanagem, "por curiosidade", justificava-se. E também esse estágio passou, "não estou mais na idade", mentia para si.

Um dia, recebeu uma e-mensagem de um e-colega que trabalhava no acelerador de partículas do Massachusetts Institute of Technology, num projeto que poderia mudar completamente os conceitos sobre a matéria. Se é que é possível referir-se assim ao seu objeto de estudo, uma vez que na física de partículas tudo é e não é ao mesmo tempo. Está e não está. Enquanto se move não é, uma vez que quando está não existe, e quando existe não é, embora possua velocidade, mas não existência , é óbvio. Fui claro? Bem,não importa, um dia recebeu um e-mail. Seria alguma boa notícia compartilhada em primeira mão?

Havia enviado algumas especulações matemáticas, que se mostrassem-se coerentes com os resultados experimentais poderiam muito bem ser o pulo do gato. "Poderia até valer um Nobel", cogitou, mas logo sentiu–se envergonhado. O que é um prêmio, comparado a uma descoberta que pode afetar todo o conhecimento humano? O que é um título diante de uma revolução epistemológica? O que são US$ 500,000 frente ao salto quântico da humanidade?
" Bem, concluiu, é uma nota preta".

Seu sonho entretanto durou o tempo de abrir a mensagem. Para sua decepção tratava-se daqueles documentos que possuem gracinhas sem graça e que circulam aos milhares pela rede. Esse em particular era endereçado à tribo, ou melhor, à comunidade científica, e tinha como título: Dez mandamentos para se ganhar o Prêmio Nobel, aqui vão eles:

1. Não confie em ninguém, especialmente nas pessoas de sua total cofiança.
2. Nunca passe informações para seus colegas, a não ser aquelas que você tem certeza estão erradas.
3 Faça mais política e menos ciência..
4 Bajule quem libera verbas.
5 Todo colaborador é antes de tudo alguém que quer te passar a perna
6 Todo colaborador é antes de tudo alguém que você tem que passar a perna primeiro
7 Dois cientistas não podem ocupar o mesmo espaço ao mesmo tempo
8 Nada se cria, tudo se compra.
9 Dedique parte do seu dia para aprimorar a sua falta de caráter.
10 A verdade é igual ao interesse vezes o poder ao quadrado, ou seja: relativa.
Leu e riu.

"Vou enviar para tais e tais colegas", pensou. Não, não fazia seu estilo, esse tipo de coisa.

Acessou a universidade. "Mas para o Dr. fulano eu tenho que mandar", reconsiderou.
Aldeãos comuns de uma comunidade estranha e divertida.. Ironicamente estamos nos igualando pelas nossas fraquezas. Felizmente.

Novembro de 2000
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