Monólogo sobre Platão

Monólogo sobre Platão

Quem está começando agora - e não é filho de cliente - deve estar enfrentando algumas dificuldades para ingressar no deslumbrante mundo da propaganda. A propósito, sempre é bom lembrar que ainda dá pra mudar de idéia. Afinal, um médico na família é muito mais útil do que um publicitário. Advogado então, nem se fala. Os engenheiros depois das primeiras ferrovias sobre a Serra do Mar, nunca mais perderam o prestígio, nada mais justo.

O chato é que, nessa profissão, mesmo depois de vencer todas as barreiras iniciais, em vez do merecido reconhecimento, ainda leva-se a fama de espertalhão e engador, os atributos mais representativos da atividade – o que não quer dizer que sejam verdadeiros. “Bem, onde há fumaça há fogo”, dizem nssos detratores.

Logo aprende-se que nas reuniões sociais, que não sejam do meio, é melhor não apresentar-se como publicitário, se não vem uma enxurrada de comentários, às vezes embaraçosos, sobre aquele comercial medonho mas que as pessoas adoram. Tentar convencer do contrário pode ser ainda mais arriscado. Porque brasileiro além de técnico de futebol por natureza, economista por necessidade, especialista em automobilismo por paixão, também é crítico de propaganda por não ter mais o que fazer.

Não bastassem essas situações, ainda tem sempre aquele revoltado que nos trata com um desprezo só aplicável aos estupradores e pedófilos. Não tente argumentar, nem procure um assunto conciliatório: ele não torce para o seu time, saiu no meio do filme que você citou e simplesmente desconhece a sua banda favorita. Provavelmente a preferência sexual é diferente da sua, mas isso é o de menos hoje em dia.

Regra número um: a publicidade é indefensável diante de qualquer platéia que não seja formada por publicitários. Até o Petit que não é bobo nem nada, quase se complicou num debate no fim do século passado com o Oliviero Toscani ao tentar defender a propaganda, lembram-se? Bastava tê-lo chamado de colega.

Mas se pensarmos bem, é natural que isso aconteça, porque propaganda é tudo o que veicula comercialmente: do varejo mais sem-vergonha à mensagem do Ministério da Saúde estimulando o uso de camisinha. De uma lâmina mentirosa que corta tudo, até uma sofisticada campanha de um jipinho de U$70 mil. E uma vez que tem muito mais propaganda ruim que boa no ar, é inevitável que carapuça acabe servindo em todos nós.

Pelo que realizou até agora, nossa “era da propaganda” não deverá ser lembrada nem como a mais feliz, nem como a mais justa e muito menos como a mais bonita, apesar de empregar milhares de maravilhosos talentos de todas as áreas.

É pena que o padrão qualitativo apresentado nos festivais fique restrito a uma parcela pequena de anunciantes e agências, freqüentadores de quase todos os short lists do mundo. Que bom que pudesse ser o nivelador do mercado. Infelizmente, o juri popular, aquele que vai ao super-mercado e efetivamente paga o salário, continua tendo os mesmos hábitos que o mercado espera que tenha. Até porque, é triste admitir, propaganda medíocre também vende, e com vantagens: é mais fácil de fazer, de medir e de justificar através da história. Sobretudo, parece ser menos arriscado fazer o que todo mundo faz, do que o que ninguém fez. “Diferenciar ou Morrer” foi um bom título para fazer da obra de Jack Trout um best-seller, mas não o suficiente para mudar a comunicação da maioria da empresas. Diante disso, por que tentar fazer boa propaganda então?

Podemos especular um monte nesse terreno, no entanto, as explicações de natureza filosófica parecem ser mais apropriadas para justificar essa questão do que as estritamente mercadológicas.
No fundo a boa propaganda – no que se refere a sua forma - fundamenta-se muito mais na ética do que nos dados científicos da pesquisa de mercado. David Olgilvy recomendou no seu clássico Confissões de um Publicitário: “Nunca escreva um anúncio que você não quereria que a sua família lesse.” É bem verdade que ele estava falando sobre a honestidade do conteúdo. Mas esse raciocínio bem que é aplicável ao bom gosto e a originalidade.

Trazendo para o nosso mundinho vaidoso: Jamais faça um anúncio que envergonharia você diante dos seus coleguinhas. Afinal, mais que uma reputação, temos um ego a zelar. Quando as urgências de mercado começam a validar qualquer coisa, é bom que pelo menos o nosso trabalho deixe claro que não temos nada a ver com isso.

Hoje em dia, quem sabe seja possível referendar mercadologicamente a feiura. Eticamente porém, não existe justificativa para o grosseiro e o vulgar. Bem sei que isso tudo pode parecer meio platônico. Porque na verdade é.

Novembro de 2003
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