Dizem os chineses que para se andar dez mil quilômetros basta dar o primeiro passo. Ou seriam os indianos? Ou era: é só colocar um pé em frente ao outro? É indiano ou hindu? Não seriam milhas? Não importa. É só para abrir o asssunto. Qual assunto? Ah, sim. Pretendo abordar nessa coluna os jobs que chamamos tecnicamente de Diamantes (are forever).
Recebemos o mico quando entramos na agência, para redenção dos que já o refizeram mil vezes, e o passamos depois de muito tempo e com alguma sorte, para o próximo desavisado que pintar querendo mostrar serviço. Alguns desses jobs nos esperam até voltar de férias para novamente pousarem solenes em nossas mesas. Existem relatos de jobs que acompanharam profissionais durante anos. Castigo, com certeza.
Tudo estaria bem, não fosse a personalidade compulsiva dos profissionais de criação que, ao contrário dos de atendimento, não se realizam em reuniões. Por isso, esses trabalhinhos encantados começam a irritar nossa alma criativa, produzindo pequenas feridas
em nossa mente, muito mais afeita a singela praticidade da vida.
Começamos a nos perguntar: será que eu sou burro? E na próxima reunião: será que me pagam para isso? E na próxima: o que estou fazendo aqui?
Evidentemente, essas perguntas acabam gerando questionamentos mais profundos, que dizem respeito à grana - que acaba sendo pouca para tamanha insalubridade. E à vocação, posta em dúvida diante da impotência em solucionar um simples trabalho.
Então, vivenciamos agudamente a maldição do livre-arbítrio, que de repente nos conduziu pelas mãos das pequenas decisões, a essa humilhante condição de eternos refazedores.
Nos damos conta da cigarra que fomos durante o verão de nossa existência. Assistindo televisão, enquanto as formiguinhas cu-de-ferro estudavam para tornarem-se médicos, engenheiros, advogados. Se ao menos tivessemos ido ao fundo do poço do ócio, talvez ocupassemos hoje uma posição num departamento de marketing. Culpa dos pais, óbvio!
Tolerantes demais com a nossa incontrolável preguiça porém, excessivamente severos com a formação moral, nos criaram incapazes. Inclusive para a doce vida política. Por que não?
Nos sentimos como fuzileiros alistados na marinha com o ingênuo objetivo de conhecer o mundo, vendo-se cercados numa trincheira imunda, com água pelos joelhos, enquanto generais de gabinete decidem sobre nossos destinos em campos de golfe.
Argh! Maldítos mosquitos! Acabou o cigarro, pior tivessem acabado as balas! Tudo isso para quê? Medalhas? Hum, de repente começamos a gostar dessa guerra. Um dia vamos ter que parar de fumar mesmo. Doce ilusão fuzileiro, só se é condecorado por job morto. Malditos mosquitos!
O pior, é que esses jobinhos imortais constumam ser feitos para atender briefings completamente inúteis. Mas que geram muitas reuniões: na fábrica, na agência, com o pessoal da produtora . Com o departamento técnico, em São Paulo, com o gerente de vendas, com a assessoria de imprensa. Nos obrigam a ler um monte de folhetos desatualizados, pesquisas ululantemente óbvias, pedidos gigantescos, literatura técnica enfadonha. E, por fim, são acompanhados de fotos amadoras, cromos desbotados, disquetes e CDs impossíveis de serem abertos com a tecnologia disponível no planeta.
Mas, por outro lado, como já devem ter concluído, por trás da aparente inutilidade desse tipo de projeto, se oculta seu nobre objetivo de manter o nível de emprego das organizações. Envolvento direta ou indiretamente dezenas às vezes centenas de colaboradores. Bem como, gerando uma demanda de serviços terceirizados para a manutenção e alimentação da doença.
Outro dia encontrei um amigo na fila do cinema: quanto tempo né? Pois é. O que tem feito? E lá ? Como é que tá? Pra brincar, relembrei dos tempos em que trabalhamos juntos e perguntei: e aí? Aquele job assim, assado, continua sendo refeito? Pois não é que o job estava vivinho e gozando de boa saúde.
Fiquei deprimido, não muito, na medida. Senti que ele ficou mais.
Manda um abraço pro pessoal.
Abril de 2002