Fama e sucesso

Recentemente em palestra realizada na Câmera Americana de Comércio em São Paulo, Al Ries causou polêmica no meio publicitário ao afirmar que a publicidade não deve ser criativa. Sua maliciosa declaração chocou os ouvidos sensíveis do mercado, sendo imediatamente rebatida na midia especializada por Washington Olivetto.

Assumindo o papel de defensor incondicional da criação, Olivetto retrucou com a propriedade que lhe conferem os 44 Leões abatidos em Cannes: "Espero que ele não tenha dito nada disso, mas, se disse, recomendo a todos que não se preocupem, porque é só bobagem. Bobagens, quando ditas em inglês, às vezes parecem coisa séria."

Sem dúvida uma troca de farpas titânicas. De um lado o co-autor de Posicionamento, leitura obrigatória principalmente para gente da criação. Do outro, o vencedor do Gran Clio e autor do Corinthians: é preto no branco, em parceria com Nirlando Beirão.
É claro que todo esse incidente foi apenas devido a uma frase infeliz, que retirada do seu contexto, adquiriu um tom particularmente ofensivo para os publicitários. Possivelmente quando analisada no contexto do discurso de Ries, soasse ainda pior. De qualquer forma, como dizia minha vó, não se pode levar desaforo para casa.
Mas se a declaração é recente, tem agência que vem colocando essa filosofia em prática há décadas. Infelizmente, impérios da indústria da publicidade podem muito bem ser montados em cima de muitas outras coisas além da propaganda criativa.
Não seria irresponsável afirmar que, é mais simples ser bem sucedido no mundo da comunicação produzindo propaganda mediocre. Basta ligar a TV, abrir as revistas ou ouvir o rádio, para confirmar a coerência dessa hipótese.
Porém, se esse é o caso, porque ficar fritando os neurônios na captura das idéias que insistem em esconder-se como um Bin Laden? Talvez porque cada empresa ou cada empresário pense diferente a respeito do que venha a ser sucesso.
No último One Show tem um anúncio da Carmichael Lynch para as guitaras Gibson, que mostra um velho músico, tipo John Lee Hooker, carregando seu instrumento com aquela autêntica majestade típica do blues man. O título é mais ou menos assim: Você pode ficar rico e famoso tocando uma Gibson? Como você definiria rico e famoso?
Por outro lado, é óbvio que trabalha-se por dinheiro: de Ries & Ries Consulting a W/Brasil, a grana é a grande motivadora, a viabilizadora, e sobretudo, a prova irrefutável do sucesso das empressas e das pessoas. O ideal franciscano de viver nesse mundo honestamente e pobre carrega contradições insolúveis para os nossos referênciais de felicidade e realização - para os meus pelo menos.
E uma vez que o lucro é o objetivo comum de todas as empresas, a diferença fundamental entre elas está na forma de ir atrás dele. Em certa medida, isso é determinado pelo modelo de mundo que cada um imagina como ideal para seus planos de negócio e de vida. Acredito que, quarenta e quatro Leões depois, para a justa indignação do Washington, ainda estamos distantes da Terra Prometida.
Não faz mal, essas pequenas ocorrências acabam sendo boas oportunidades para gente pensar um pouco no rumo esquizofrênico que a profissão está tomando. Quem é o mocinho e quem é o bandido? Quando se entra no jogo é sempre bom saber pra que lado chutar.
E do jeito que a coisa anda, não seria de admirar que houve até dono de agência que saiu da insólita palestra achando que finalmente tinha encontrado alguém que pensava como ele. Para o bem do mercado, tomara que transformem suas agências em criativas empresas de RP.
Para finalizar, esse ano, segundo o Estadão, só o Brasil inscreveu 1.197 peças no Cannes Lions. Ao todo o Festival recebeu 16.392 peças de 70 países. Ora, quando a gente confronta esses números com a declaração que deu origem a polêmica, a única conclusão a que se pode chegar é que, vivemos numa época em que existe público para tudo.
É verdade que, esse ano o Festival teve uma queda de 5% no número de inscrições em relação ao ano passado. Essa diminuição, pode ser justificada pela baixa taxa de crescimento da economia dos EUA, pela Guerra do Iraque. Pela estagnação da economia no Japão e na Alemanha ou ainda pelo crescimento medíocre na Europa. Quem sabe? Será que as idéias de Ries fizeram tantos adeptos? Que medo!

"Can you get rich and famous playing a Gibson? How do you define rich and famous?

Abril de 2003
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