A noite é só nossa, no mundo não há mais ninguém.

Tem um anúncio, ou melhor, uma série de anúncios da Fallon McElligott para Windsor Canadian Whiskey, que mostram pessoas embaraçadas em problemas cotidianos e engraçados durante o seu dia. Todos possuem o mesmo título: Felizmente, todo dia vem com uma noite. No original: Fortunately, every day comes with an evening. Um copo do Windsor Canadian, bem junto do título, assina os anúncios.
"Felizmente, todo dia vem com uma noite".
Como esse título traduz bem a nossa profissão. Nosso dia: invadido por telefonemas, trancado em reuniões, preso e iternitente. Braçal, obrigatório, improdutivo. Caminhando entretanto, inexorável, para noite calma, solta e contínua. Mental, liberada, criativa. Para fértil embriaguez do silêncio. Onde o corpo encontra a alma novamente.
- Vamos pedir uma pizza?
Pronto, lá se vai uma idéia, esfumando-se como um fantasma. Não devia ser boa mesmo.
- Pede para mandar a nota fiscal.
- Que sabor?
- Qualquer um, menos Califórnia.
A idéia perdida, de repente era a boa. Como era mesmo?
- Onde está o telefone da pizzaria?
É interessante notar como tudo vira rotina: a urgência, a pressão e até a falta de rotina.
Uma vez alguém desenvolveu a tese de que essa coisa do publicitário trabalhar à noite tem a ver com a cultura cristã, uma espécie de penitência.
Já ouvi também que é uma estratégia, às vezes inconsciente, de valorizar o peixe.
Sob o ponto de vista do nosso terapeuta, a quem a gente vive dado o cano por conta do trabalho, é uma forma de fuga da nossa vida pessoal, do casamento, essas coisas; um jeito de preecher o vázio existencial.
Uma coisa é certa, ninguém adora trabalhar fora de hora, embora muitos digam: eu até que prefiro, é mais calmo, não tem telefone.
E, se continuarmos a listar motivos para esse estranho modo de produção, encontraremos desde os mais nobres, como a busca obstinada pela qualidade do trabalho, até os mais mesquinhos, como comer pizza na faixa.
De qualquer forma é assim que funciona, como final de campeonato.Nos primeiros quinze minutos aquele nervosismo natural: uns títulos ingênuos, umas idéias pouco eficientes.
Final do primeiro tempo, um golaço anulado: encontramos nossa idéia num One Show de 1973. Início do segundo tempo, pênalti contra a nossa meta: não dá para ser página dupla, não pode ter aplique no outdoor e TV tem que ser de trinta e não de sessenta.
Um a zero pra eles, vamos lá. Trinta e cinco minutos: good news - expressão do atendimento - dá para ser página dupla, se não for uma produção muito cara, a TV pode ser de sessenta, mas o outdoor tem que ser sem aplique. Um a um, vamos para a prorrogação.Ninguém tem mais perna, só se for de bola parada.
Mesmo assim quase liquidamos a fatura aos cinco minutos: mas onde achar aquelas referências a essa hora, pena. O jeito é levar para os penaltis.
A noite calma, solta e contínua. Mental, liberada, criativa. Fértil embriaguez do silêncio. O corpo encontra a alma novamente.
Copy, paste. Como um fastasma, a idéia se materializa, na promiscuidade assombrada da madrugada.
É tão calma a noite.
Save as…
A noite é de ninguém.
Estamos vivos, cansados e felizes.
Bobos alegres que somos.
- Sobrou Coca-Cola?

Setembro de 2000
Portfolio ...|... Revista ...|... Below ...|... Jornal ...|...Design...|... Contato ..|..Alltype..|