É estranho como a humanidade constrói os seus dramas. Tudo parece se encaixar, como num organizadíssimo espetáculo. E as históricas violências, obviamente, têm a escala da cultura e da tecnologia da época em que ocorrem, e porque não admitir? Também a sua estética.
Parece um filme, diziam, quando o Boeing espetou-se na torre. Em outros tempos diriam, parece um sonho, um teatro, uma ópera, uma história em quadrinhos. São as formas de negarmos a realidade que construimos diariamente, com uma busca obstinada de uma felicidade estranha, tirana e monstruosa.
A ansiedade consumista foi saciada com milhares de corpos e cobertura das líderes do jornalismo mundial. A economia globalizada mudou de canal para assistir um fato que interrompeu, ainda que momentaneamente, o seu monótono rítmo de lucro e prejuízo.
Nosso confuso senso de justiça paralisou-se frente a uma ação tão esquizofrênica quanto ele. E os nossos sentimentos infantilizados acabaram envolvidos com uma realidade infernal mas que enfim, possuia um formato de televisão.
A superproducente era cinematográfica não poderia contentar-se com menos: vidros espelhados estilhaçados, imensas bolas de fogo vermelho alaranjadas, fumaça negra, gente tendo a queda acompanhada pelas câmeras, pessoas atônitas pelas ruas. Conspiração, pânico, suspense e não poderia faltar, a declaração do presidente da América. Tudo seguindo a marcação de um roteiro macabro e profissional. A própria evolução da barbárie reservava ao público que não a acompanhou desde o primeiro ato, cenas tão chocantes quanto as iniciais.
E agora? Como ir para o trabalho amanhã? Como não admitir que preciso de terapia?
Confesso, que entendo muito pouco do que estou escrevendo, mas não consegui deixar de fazê-lo.
Inocentes, só considero os que morreram, não porque fossem menos culpados do que eu ou o resto da humanidade, mas porque foram redimidos. Se não pela morte, pelo azar.
Setembro 2001