A gente não esquece

Janeiro de 2004

O sonho já tinha acabado no fim dos anos 70. Ainda assim, toda uma geração pôde delirar com um comercial da Ellus em que um casal tirava a roupa e beijava-se em baixo d’água ao som de Rita Lee: “Meu bem você me dá água na boca/ Vestindo fantasias, tirando a roupa…”

É bom relembrar que lady Lee, apesar de estar entrando numa fase totalmente apaixonada e inofensiva, era melhor representante da ameaça elétrica, sensual e cabeluda do rock’n roll. Na época o rock ainda não era bem visto, talvez porque remetesse a uma forma irreverente de liberdade, pelo comprimento dos cabelos ou porque o pessoal tinha posteres do Che Gue Vara , no quarto quem sabe?

O fato é que essa combinação foi nitroglicerina pura explodindo no seio das tradicionais famílias brasileiras que, livres da ameaça comunista, viviam o clima morno pós-milagre.

Não tenho documentação segura a respeito, muito menos memória de elefante, mas parece que o comercial foi tirado do ar pela justiça, ou pelo menos houve essa tentativa. No entanto, lembro de assistir, pela TV, aos eloquentes apelos de Alex Periscinotto contra o filme, em nome dos bons costumes da época.

Desde então, muito comercial passou pelo break do Jornal Nacional. Até que, um certo dia, em 87 entrou no ar um filme que mostrava uma adolescente numa aula de educação física, constrangida, observando suas colegas que já usavam soutien. Ao chegar em casa encontra em sua cama um presentinho, adivinhem? Um legítimo Valisère. A criação foi da Camila Franco e Rose Ferraz, quem dirigiu foi o Julio Xavier.

Não sei se simultâneamente surgiu a visão masculina sobre o mesmo briefing. O filme de Nizan Guanaes, então na W/GGK, foi dirigido pelo mesmo Júlio Xavier; mostrava um garotinho que escalava uma janela para observar o vestiário feminino. A expressão de deslumbramento do moleque virou também um inesquecível outdoor: O primeiro Valisère a gente nunca esquece. Estava consagrado o mote.

Eram outros dias, mais liberais, vivia-se o clima da Assembléia Constituinte, naufragava o inesquecível Plano Cruzado e eramos conduzidos pelo letrado José Ribamar Ferreira de Araujo Costa: o inesquecível Zé Sarney.

Mas o tempo não parou, duzentas e poucas edições da Cláudia depois, todo mundo acompanhou a polêmica, de alto nível, por sinal, entre a Wondebra e a Valisère por conta de um anúncio que fez referência a memorável campanha de da Valisère de 87. As peças da Wondebra afirmavam: “O primeiro soutien a gente…Hi. Esqueci”.

Uma discussão que teve um final pra lá de feliz: a W/Brasil recuperou a conta da Valisère e a Wondebra obteve uma exposição na mídia muito maior do que a campanha teria, não houvesse despertado o lado Senhoras de Santana dos meninos da W/ Brasil - “na luta sempre necessária pela manutenção de padrões éticos na comunicação publicitária e preservação da cultura popular brasileira”.
Em outros tempos, esse mesmo pessoal ficaria indignado é com as reticências no título. Tudo muda.

Como era esperado, ninguém no mercado saiu em defesa da Z+, nem eles mesmos. Imaginem o redator então, deve ter comido o pão que o diabo amassou. Em briga de elefante quem sai pisado é a grama, meu irmão.

De qualquer forma, uma dispuda entre soutiens só é boa quando os dois lados ganham.
Não sei porque me lembrei de outra música da Rita Lee, se não me engano é do disco Entradas e Bandeiras, aqui vai um trechinho:

“Vou dar trabalho à crítica
Já que ela depende de mim
É um jeito de sair do buraco que é fundo
E acaba-se o mundo por falta de imaginação
Eu não!
Meu departamento é de criação!”

É, tem coisa que a gente não esquece.
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