Aumenta a marca

O cliente discutia com sua jovem esposa sobre o conceito apresentado horas antes pela equipe da agência.

Fazia tempo ele que não participava de uma reunião tão produtiva, se é que isso é possível. Sua dedicada agência já havia apresentado, durante o último mês, várias propostas. Todas implacavelmente detonadas por sua exigente companheira e consultora: princesa do marketing, sacerdotisa do planejamento e musa da comunicação.

O diálogo entre eles era intímo sem deixar de ser profissional, havia muito tempo que não ficavam assim conversandinho. A TV ao fundo, ligada sem ser assistida, iluminava o ambiente com sua luz patrocinada. Um murmúrio em inglês e uma sirene distante, faziam a trilha da noite urbana. A mulher sob essa luz ficava ainda mais bonita. Nem os sete quilos a mais, normais no oitavo mês de gravidez, tiravam a sua natural delicadeza. Ele a ouvia calado e atento. A sua inteligência, pensou, parecia ter atingido a maturidade. E lembrou com saudades algumas situações em que a sua intuição feminina alterara decisões que, com certeza, o teriam conduzido a bancarrota.

Como todo self-made man, reconhecer que o seu sucesso não era totalmente self-made não era muito fácil. Na verdade, isso até o incomodava um pouco. Racionalmete reconhecia: era puro machismo, mas assim que sentia, o que podia fazer? Para isso havia começado a fazer terapia, embora preferisse o tênis.

Tirando essas pequenas pendências existenciais, era um cliente perfeitamente normal: sovina, exigente e cabeça dura. Sua integridade, entretanto, estava acima da média. Tanto comercial como eticamente era um ótimo parceiro e, por isso mesmo, muito assediado pelas agências. No passado, seu rápido crescimento empresarial inflou naturalmente o seu ego, o que acabou gerando uma percepção não muito justa da sua competitiva personalidade.

Mas nada como o tempo para dar sentido aos fracassos e explicações para o sucesso. Um casamento falido, dois carros roubados, um sequestro relâmpago, alguns impostos atrasados e vários sócios superados. Foi assim, na prática, aprendendo a viver, a administrar e a planejar. Por exemplo, é claro que já havia marcado a data da cesariana para a esposa e evidentemente sabia o sexo da crianca. Já tinha até três nomes como finalistas para batizar o herdeiro.

A vida entretanto, reserva surpresas mesmo para os vencedores e a primeira contração veio no exato momento em que se dava conta do enorme ventre da sua mulher.
Manteve a calma, ou melhor, o controle, porque bem que estava nervoso. Deve ser alarme falso, pensou. Em todo caso percorreu mentalmente o caminho da maternidade, a essa hora a 20... 30 minutos, no máximo. Havia acabado de carregar o celular, não tinha com que se preocupar. Pelo menos até a segunda contração, duas horas depois.

Por via das dúvidas, ligou para o médico, que achou melhor levá–la ao hospital.
E lá se foi o casal, com um enxoval organizado às pressas, para a maternidade. Chegando lá, como as contrações continuavam, foi internada e nosso amigo cliente ficou como um pai comum roendo as unhas numa sala de espera. Tudo bem, pensou, ruim é o plano que não pode ser mudado, como dizia o seu professor de planejamento estratégico.

De repente, sem nenhuma explicação racional, as imagens da campanha apresentada pela agência naquela manhã começaram a invadir sua mente. A princípio sentiu-se um canalha, permitindo que assuntos tão mundanos maculassem um momento daqueles, depois reconheceu a sua total impotência com relação ao controle de seus pensamentos. Então simplesmente deixou entrar as imagens dos layouts, story boards, GRPs, conceitos, negociações, aquela parafernalha toda, afinal aquele esforço não deixava de ser uma espécie de filho para ele.
Particularmente, os anúncios tinham ficado sensacionais. Meio Archive, segundo o pessoal de criação, mais alguma coisa neles ainda o incomodava. E era essa imagem que ocupava sua mente, quando o médico chamou-o e o conduziu a um corredor - uma espécie de ante sala do centro cirúrgico - e indicou uma janela através da qual podia enxergar o seu filhote sendo cuidado por uma enfermeira.

Imediadamente reconheceu a marca de nascença nas costas, como a sua. Ficou profundamente tocado. Não pode evitar o pensamento e a fala saiu emocionada: será que não dá pra aumentar a marca?
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