Na verdade, a gente fica imaginando, as coisas devem ter sido bem menos românticas, com os contrabaixos disputados, no tapa, como boias. Seus donos devem ter pensado: para alguma coisa valeu carregar esse rabecão a vida toda.
Mas voltando à fantasia, ou a realidade, não sei, porque dizem, a orquestra realmente continuou a valsa enquanto o navio ia fazendo água. Esse sentimento de dever que acompanha os que têm a arte como ofício, parece ir além da nobreza, enquanto valor moral, e fazer parte da natureza do artista. Deixando mais claro: naquela hora, não se tratava de ser covarde ou corajoso, mas de ser, acima de tudo, músico.
- E o Titanic afundou do mesmo jeito - interrompe o administrativo.
Sempre ele: cobrando a nota, contando o número de cópias, reclamando da hora que o pessoal chega. A hora que o pessoal sai, ele já está vendo a novela.
- E o pessoal de Hollywood se afogou no Money - retruca o boy.
Folgado, irreverente, fazendo questão de manifestar a esperta sabedoria que só a rua dá. Você chega com o milho ele está voltando com o Doritos - o tradicional, o de queijo é palha, segundo ele.
Entre esses dois personagens tão distintos existe o mundo. E a gente é claro.
Muitos de nós foram boys um dia, tomara nenhum de nós se torne administrativo.
Enquanto isso o mundo caminha, não se sabe para onde, e a banda toca.
É isso aí. Porque à banda cabe tocar. Ainda que soubesse o destino do mundo, e fosse ele trágico, a banda ainda assim tocaria.
E a gente anunciaria, os filmes, as bandas, os band-aids e os fins do mundo. Porque esse é o nosso ofício.
Se é arte, se alimentamos uma competição doentia, ou incitamos um consumismo desmedido. São questões importantes e nos dizem respeito. Como os efeitos dos remédios dizem respeito aos médicos. E os das leis aos advogados.
Quanto mais seguirmos os conselhos de nossa mãe e os ditados do nosso avô; quanto mais dúvidas e questionamentos éticos tivermos, melhor: isso produz boa propaganda. E a gente quer ter um sono tranquilo, ainda que breve.
Às vezes parecemos mercenários: criando para marcas concorrentes, em diferentes agências e até para adversários políticos. Outras, jogadores. Tem a fase dos prêmios, mas também a do castigo.
Fazemos por dinheiro, por prêmios, mas sobretudo, porque é da nossa natureza.
Convivemos com os geniais, os brilhantes e os maravilhosos.
Com pessoas inteligentes e com as intuitivas.
Fumantes e não fumantes.
Homens e mulheres.
Coxas Brancas e Atleticanos, eventualmente um Paranista.
Negros, brancos e amarelos.
Ateus, judeus e abduzidos.
Apesar dos computadores continuamos trabalhando com pessoas.
É um mundo muito vivo sem dúvida, mas não é para qualquer um. Quantos já não cansaram desse ambiente febril e começaram a cogitar em abrir uma pousada.
E a despedida sempre é emocionante.
O "A gente se vê" soa tão solene e cheio de significado como: "Cavalheiros, foi um privilégio tocar vocês esta noite”.
Enfim, cada um tem o seu caminho, tomara que dê certo.
- Tem um job para manhã você não quer dar uma força? Saideira?
- Não sei não… Bem, deixa eu dar só uma olhada. Amanhã de manhã ou de tarde?
- Você que diz.
- Fim da tarde: seis e meia? sete?
- Legal.
Delírios originais de
2000/2001- publicados no ClickMarket