“Gentlemen, it has been a privilege playing with you tonight”

Assim o maestro da orquestra do Titanic se despedia dos colegas enquanto o transatlântico afundava. A cena prossegue, ele dá as costas para o grupo e caminha pelo convés, ou pelo tombadilho, ou pelo deck, ou por qualquer lugar com um nome estranho. Os músicos permanecem agrupados, se entreolham confusos. Uma aguda consciência da situação parece iluminar os mestres que entendem que o melhor a fazer é continuar fazendo o que sempre fizeram, é prático, digno e heroico. E vale Oscar. Então começam a tocar. O maestro é surpreendido por aquelas colcheias tão familiares, que hoje soam diferentes, como vozes de um coro afirmando a sua predestinação. Ele se volta, compreende o significado do chamado, o sentido da sua vida. Pode um músico ter morte mais gloriosa do que no exercício da sua arte? O violino, por costume, procura o seu lugar entre o ombro e o queixo, enquanto o arco desce sobre as cordas seguro e sonoro. "Corta", um megafone interrompe a ação.

Na verdade, a gente fica imaginando, as coisas devem ter sido bem menos românticas, com os contrabaixos disputados, no tapa, como boias. Seus donos devem ter pensado: para alguma coisa valeu carregar esse rabecão a vida toda.

Mas voltando à fantasia, ou a realidade, não sei, porque dizem, a orquestra realmente continuou a valsa enquanto o navio ia fazendo água. Esse sentimento de dever que acompanha os que têm a arte como ofício, parece ir além da nobreza, enquanto valor moral, e fazer parte da natureza do artista. Deixando mais claro: naquela hora, não se tratava de ser covarde ou corajoso, mas de ser, acima de tudo, músico.

- E o Titanic afundou do mesmo jeito - interrompe o administrativo.
Sempre ele: cobrando a nota, contando o número de cópias, reclamando da hora que o pessoal chega. A hora que o pessoal sai, ele já está vendo a novela.

 - E o pessoal de Hollywood se afogou no Money - retruca o boy.
Folgado, irreverente, fazendo questão de manifestar a esperta sabedoria que só a rua dá. Você chega com o milho ele está voltando com o Doritos - o tradicional, o de queijo é palha, segundo ele.

Entre esses dois personagens tão distintos existe o mundo. E a gente é claro.

Muitos de nós foram boys um dia, tomara nenhum de nós se torne administrativo. 

Enquanto isso o mundo caminha, não se sabe para onde, e a banda toca.

É isso aí. Porque à banda cabe tocar. Ainda que soubesse o destino do mundo, e fosse ele trágico, a banda ainda assim tocaria.

E a gente anunciaria, os filmes, as bandas, os band-aids e os fins do mundo. Porque esse é o nosso ofício.

Se é arte, se alimentamos uma competição doentia, ou incitamos um consumismo desmedido. São questões importantes e nos dizem respeito. Como os efeitos dos remédios dizem respeito aos médicos. E os das leis aos advogados.

Quanto mais seguirmos os conselhos de nossa mãe e os ditados do nosso avô; quanto mais dúvidas e questionamentos éticos tivermos, melhor: isso produz boa propaganda. E a gente quer ter um sono tranquilo, ainda que breve.

Às vezes parecemos mercenários: criando para marcas concorrentes, em diferentes agências e até para adversários políticos. Outras, jogadores. Tem a fase dos prêmios, mas também a do castigo.
Fazemos por dinheiro, por prêmios, mas sobretudo, porque é da nossa natureza.

Convivemos com os geniais, os brilhantes e os maravilhosos.

Com pessoas inteligentes e com as intuitivas.

Fumantes e não fumantes.

Homens e mulheres.

Coxas Brancas e Atleticanos, eventualmente um Paranista.

Negros, brancos e amarelos.

Ateus, judeus e abduzidos.

Apesar dos computadores continuamos trabalhando com pessoas.

É um mundo muito vivo sem dúvida, mas não é para qualquer um. Quantos já não cansaram desse ambiente febril e começaram a cogitar em abrir uma pousada.

E a despedida sempre é emocionante.

O "A gente se vê" soa tão solene e cheio de significado como: "Cavalheiros, foi um privilégio tocar vocês esta noite”. 

Enfim, cada um tem o seu caminho, tomara que dê certo.

- Tem um job para manhã você não quer dar uma força? Saideira?

- Não sei não… Bem, deixa eu dar só uma olhada. Amanhã de manhã ou de tarde?

- Você que diz.

- Fim da tarde: seis e meia? sete?

- Legal.

Delírios originais de 2000/2001- publicados no ClickMarket
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