Pelo menos pode ser mais divertido

É comum a gente ouvir por aí que a classe trabalhadora deve mais a Getúlio Vargas, pela legislação trabalhista, do que a todo movimento sindical brasileiro. Da mesma forma, se poderia afirmar que a nossa indústria da propaganda deve mais a lei 4680, de 1965, do que a todas as noites viradas em busca das grandes idéias. Lei que, diga-se de passagem, teve o anteprojeto encaminhado ao ministro do trabalho, por Antônio Mafuz e Petrônio Corrêa - o “M” e o “P” da MPM original - e que viria a ser sancionada, no mesmo ano, pelo presidente Castelo Branco.

Foi dessa forma, por força da lei, que começaram os bons tempos da propaganda brasileira: com remunerações asseguradas e profissões regulamentadas, os legítimos empressários de propaganda puderam estruturar empresas felizes, eficientes e criativas e os oportunistas ficaram apenas milionários. Coincidentemente, se é que a palavra descreve bem a circunstância histórica, as contas públicas passaram a enfunar também as velas das agências locais e todo publicitário, àquela época, era feliz e não sabia.

Não cabe aqui relatar a epopéia da indústria da publicidade nacional até as incertezas que antecedem o IV Congresso Brasileiro de Publicidade. Como todos sabem, ela passa pelas mudanças nas estruturas de poder, por sucessivas quedas de braço com os anunciantes, pela criação do CENP e, é claro, por toda a revolução provocada, inicialmente, pelos reflexos das transformações na economia mundial e, em seguida, pela chegada dos novos meios de comunicação.

Da mesma forma, é redundante descrever o panorama atual que encontramos a toda hora nas páginas e telas dos veículos especializados ou na dura realidade do dia-a-dia. Não vamos nos iludir, as formas de remuneração das agências, mesmo depois do IV Congresso, vão continuar a ser discutidas, questionadas, quando não simplesmente ignoradas pelos anunciantes.

E agora que a rentabilidade está curta é que as agências, mais por necessidade que por crença, começam a olhar para o óbvio: a criação é o seu melhor produto - embora nunca tenha sido a sua principal fonte de renda. Planejamento, mídia, atendimento, operações, administração, TI. Tudo isso existe – ou pelo menos deveria existir - com um único objetivo: viabilizar grandes idéias para os clientes. E as grandes idéias são de total responsabilidade dos profissionais de criação. É assim na prática, a gente sabe, sempre foi e sempre será.

Por outro lado, valorizar a criação não é apenas aplicar a tabela cheia do Sinapro. Valorizar a criação é, em primeiro lugar, reverenciar a idéia antes mesmo dela nascer. É criar um ambiente fértil para que ela floresça, isso passa por salário, respeito e justiça. É, sobretudo, acreditar verdadeiramente no valor da fatura que emitimos. Se queremos cobrar pela criação, temos que entregar uma idéia, certo? Valorizar a criação é valorizar o cliente que valoriza a criação. E isso é muito mais uma questão de afinidade ideológica do que de uma relação puramente comercial. Por isso todas as iniciativas que, de alguma forma, contribuam para o amadurecimento do mercado acabam, por tabela, valorizando o trabalho criativo.

Para a nossa sorte e graças a alguns templos da propaganda e aos seus gurus maravilhosos, a cultura brasileira de propaganda sempre buscou como referência a melhor propaganda do mundo. Ao contrário da cultura de negócios, que no Brasil, historicamente, se pautou por práticas avessas ao capitalismo de mercado. Contudo, mesmo diante desse aparente paradoxo, durante as últimas décadas, essas duas culturas produziram, em comum acordo, a nossa melhor comunicação e o mais engessado modelo de negócio de todos os tempos.

Naturalmente, desengessar esse modelo significa expor uma musculatura atrofiada e incapaz de se movimentar com a agilidade exigida pelos novos tempos. No entanto, a barbarie de um mercado inteiramente desregulado talvez seja mais saudável para os profissionais de criação, do que a passiva submissão a um destino infeliz, dentro de agências que tentam compensar as suas perdas montando estruturas imaturas, ineficientes e mal pagas. Pelo menos pode ser mais divertido.
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